domingo, 21 de dezembro de 2008

Uma carta para a apresentação


Rio de Janeiro 07 de dezembro de 2008.



Oi Márcia, tudo bem? Como anda o tempo aí em sampa? Então, a carta....
A carta funciona aqui como uma crônica. Uma crônica sobre as possibilidades de se pensar a arte via teledramaturgia, pensar um pouco como ainda podemos ou não respirar artisticamente via TV. Já adianto que a crônica vai via positivismo, sim porque se não for assim já fica muito sem graça (mesmo que no fundo eu duvide muito dessas boas possibilidades, são elas que me dão gás para empreender a pesquisa)
Essa semana eu respirei novamente, estreou Capitu de Luiz Fernando de Carvalho. Já estava esperando um tempão por essa estréia, ouvia os burburinhos do processo e a curiosidade estava forte. Daí, comecei a acompanhar a impressa e o povo já estava bichando o processo: nossa será que vai ser como A Pedra do Reino, incompreensível e com pouca audiência?
Porque incomoda tanto um diretor que pensa tv além do trivial, porque é tão inadmissível montar Machado ou Suassuna levando em consideração que o povo não é idiota?
Em uma entrevista na Folha perguntaram para Carvalho: Mas você concorda que faz parte dessa indústria? Ele respondeu: Sim, mas não concordo (com ela). Participo na contramão. É quase uma guerra santa.
A coisa esta em um nível que já se fala em Guerra Santa só pra fazer um trabalho com mais cuidado, daqui a pouco vamos falar de terrorismo artístico para justificar a exigência, por exemplo, de bons atores nas tramas.
Estamos então em um lugar pouco confortável para a arte, parece que neste território não cabe mais exigir uma estética mais apurada, algo que leve para o espectador referências dramatúrgicas diversas do realismo pragmático, exigências que interessam muito aos anunciantes do OMO e talvez menos aos próprios fazedores de tv.
Sim, porque me parece pouco provável que bons atores prefiram fazer madames do Leblon tendo como seu auge dramático em cena passar requeijão na torrada a mergulhar em Marias Safiras de Suassuna dançando a vida por Taperoá.
Há um rasgo enorme entre Luiz Fernando de Carvalho e a teledramaturgia convencional. Esse rasgo, eu acredito, não permite qualquer remendo, pelo contrário, cada vez mais esse tecido é dilacerado. Eu acho ótimo!
O que me impressiona (ainda não sei se positivamente ou negativamente) é o caráter educacional no discurso do diretor. Ele acredita que pela tv ainda é possível aproximar o espectador da literatura e defende projetos nesta linha. Me parece que ele é muito mais provocador, no sentido de mostrar o que a tv nos nega e fala sem dizer : tá vendo vocês vêem porcaria só porque eles querem. Pausa dramática. Ou será porque agente permite?
Não sei, nem pretendo responder isso na pesquisa, é uma pergunta muito grande para caber em uma dissertação de mestrado.
O que eu pretendo responder, lá em minhas páginas de suor dissertativo, é que apesar dos pesares, ainda é possível fazer tv de qualidade. Ainda é possível buscar em outras linguagens artísticas referências para se fazer um bom trabalho no suporte televisivo. Como acredito que Luiz Fernando de Carvalho concorda com meu argumento (e mesmo que não concorde, agente ainda não bateu um papo), é juntamente com sua Pedra do Reino que pretendo me embrenhar por esse tema.
Um processo que se permite ensaiar atores por dois meses em um galpão isolado em Taperoá, que desloca um mundaréu de gente do Projac para a Paraíba, que se estrutura com atores da região do agreste e que no fim das contas ainda menospreza os tão cultuados índices de audiência, bom aí tem coisa.
E coisa boa, acredito, o tal respiro que vez ou outra acontece na teledramaturgia. O tal respiro que faz crer que tem muita gente boa trabalhando muito para que esse rasgo se transforme em um buraco e do buraco em um abismo, e para abismos não tem remendo.
A carta acabava por aqui, mais aí vieram Adorno e Horkheimer e me fizeram repensar a indústria e ver que realmente falar de guerra não é exagero algum. E dando continuidade a um pensamento belicista talvez seja o caso de falar em homem bomba. Pensar em um diretor de televisão que se permite ou consegue criar imagens onde seu espectador seja ativo é tarefa para alguém que se arisca em uma dimensão comparável a fé, já que não há nada objetivo que assegure sua arte.
É um território minado, e neste sentido brincar com as minas, correr o risco da explosão é extremamente dionisíaco. Poucos são os que se arriscam em uma empreitada pelo escuro como essa, já que desta vez o público não comanda a atração. Experimenta-se até mesmo esse receptor.
Um texto que não tem ouvintes, imagens que não tem leitores atiram-se na vitrine a espera de seus espectadores (nossa, a rima ficou muito cafoninha). Não sei se esse produto possui compradores, mas o simples fato de estar exposto na vitrine alimenta sua existência e com ela todo o incômodo que pode provocar.
Por hora, essas são algumas das velhas e mesmas novidades que tenho. Nada realmente grande, mas pipocante na minha cabeça.
Agora o que realmente importa:
Aqui no rio choveu essa semana.

Depois de te conto mais novidades sobre o tempo.

Abraços,

Fernanda Areias

Um comentário:

  1. Nanda, que projeto instigante o seu no mestrado! Estou super curioso pela pesquisa.

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